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A acumulação, a arte povera e o abstracionismo geométrico compõem um bem acabado trinômio que dá eletricidade a produção atual de Ayao Okamoto. Sem a determinação de um código prévio, comum ao artista e ao observador, o artista estabelece a comunicação obra-espectador a partir de uma linguagem centrifugada e centrifugadora, totalmente liberta, que acumula códigos contidos no próprio material, espécie de refugos da sociedade de consumo. Caixas de transporte de alimentos se desconstroem e perdem a função de conter, transportar e preservar para se transformarem em suportes.

Os planos, em baixo e alto relevos, executados com pedaços de tábuas, exibem alguns grafismos naturais decorrentes dos gestos contidos num código banal, escritos sobre as caixas para simplesmente identificar o proprietário da mercadoria. Esses sistemas de comunicação primária se somam às composições racionais do artista estabelecendo um novo código entre eles e o observador.

Ayao inventa uma linguagem particular trabalhando elementos com significações contraditórias, mas que se complementam. Pintura e objeto se alternam criando massa de tensão, abrindo a discussão e redefinindo o papel do objeto, que ao mesmo tempo faz parte da natureza e o transcende. Nos quadros de Ayao a pintura se faz objeto. uma vez que o traço guardado na memória do gesto se cristaliza em materiais diversos. Por mais estranho que o trabalho possa parecer, à primeira vista, ele ainda se move no universo familiar da pintura, do acúmulo e da ação.

Esses quadros guardam dentro de si o grito de contestação, cuja superfície, cruamente recortada por madeiras, plásticos, papelão, costurados com grampos, faz desdobrar um diálogo ininterrupto entre os materiais diversos. A luz que perpassa toda a matéria parece nascida do próprio material e estabelece uma simplificação na percepção da obra.

O tratamento abstrato geométrico não confunde e torna-se o fio condutor que serpenteia o discurso visual permitindo momentos de pequenas assimetrias e alterações dos contornos. Há ainda composições mais racionalistas, em que o pensamento mais estruturado se reporta a uma simetria de rigorosa geometria.

A acumulação mais acentuada faz emergir um sistema de projeção que sugere profundidade, abrindo para uma certa liberalização e mobilidade dos volumes. A superfície não desempenha a função tradicional no trabalho de Ayao, em seu estudo sobre a materialidade em que está implícito o ato de conter, tensionar e plasmar. O pulsar da matéria se prolonga em planos imaginários. Em quase todos trabalhos há uma expansão ordenada sob um corte adotado como ponto de partida, mas isso não quer dizer que haja unilateralidade de procedimento.

Análogo à idéia de atualização de seu tempo, Ayao Okamoto redireciona sua produção acrescentando à sua pintura esse novo olhar. Direto e transformador. 

Leonor Amarante, 1997 

 

Texto para a exposição “Meditation/Integration” na Plaza Gallery, Tokyo-Japão, 1997
 

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