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O espaço ocupado por alguém é sempre um espaço novo, criado naquele instante. Duas fotografias mostram um coqueiro à beira de um lago.  É o mesmo coqueiro? Mesmo se for, será elemento de um espaço diferente em cada fotografia, pois é ocupado por uma pessoa diferente de cada vez. A experiência de cada um, naquele espaço com o coqueiro, é única.

Na video-instalação E.N. & L.I. Karina Zen explicita essa ideia do espaço que nunca é o mesmo. Quantos coqueiros existem naquela paisagem? Quantos forem as pessoas a vivenciarem aquele espaço. As duas projeções de fotografias da década de 1950 ora mostram o coqueiro ocupado por um homem, ora por uma mulher. E eles nunca se encontram, como nunca se encontram as percepções de mundo de duas pessoas diferentes ou da mesma pessoa em tempos diferentes. Passa o tempo, muda o coqueiro, o dela é um, o dele é outro. O coqueiro continua lá até hoje, em um sítio em Brusque, Santa Catarina. Mas não é nenhum dos coqueiros dessas fotografias do suposto mesmo coqueiro.

Então isso que chamamos de mundo é uma convenção que tenta unificar experiências múltiplas, distintas. Cada um faz o mundo com seu corpo, na experiência individual e incompartilhável de percepção das coisas. Cada um faz o mundo com seu sopro, moldando-o, inflando-o, fazendo-o ser aquele mundo específico, que se desfará quando o fazedor de mundo não estiver mais agindo para constituir mundo. Para o sopro, murcha o mundo. Outros se inflam no mesmo instante.

A paisagem de mundos que existem em paralelo, mundos criados por corpos diferentes, e que chamamos, no singular, de mundo, como se fosse único, intriga Karina Zen, que adota a fotografia e o vídeo, esses supostos registros mecânicos do real, para investigar a simultaneidade de mundos. O real talvez seja uma garrafa cheia de mundos, tantos quantos forem os grãos de areia de uma paisagem praiana. No vídeo Garrafinha, a paisagem construída com areia colorida é derramada em sua multiplicidade de grãos num espaço indefinido, vazio, desorganizando a cena típica do artesanato brasileiro; o casebre à beira do mar com coqueiros e passarinhos volta a ser uma mancha informe de grãos, volta a ser o material de que é feito o mundo antes de ser moldado por um entendimento específico e singular. Reorganizando todos aqueles grãos coloridos, quantas outras cenas conseguiríamos gerar? Depende de quantos estiverem a organizar a mancha, aplicando-a a conceitos de real.

Os personagens vegetais da série de fotografias Dona Morellli - Família Pereira – Dona Jandira vivem um mundo que é só deles, aqueles interiores domésticos calmos, sem eventos, que adivinho quando, passando por uma pequena cidade desconhecida, vejo cadeiras na calçada, ocupadas por um fazedor de mundo para mim incompreensível, que assiste a paisagem, sem sair do lugar, experimentando um tempo que se mede nos mesmos segundos que o meu, e que aparentemente habita o mesmo espaço que eu, e cujo mundo é completamente outro.

Se estivermos na mesma beira de lago, sentados no tronco inclinado do mesmo coqueiro, nunca nos encontraremos, eu e você. Estaremos cada um numa duração específica, em mundos simultâneos que não se sobrepõem. Karina Zen acredita nesses mundos paralelos.

Os fazedores de mundo

Paula Braga, 2013 

 

Publicado no catálogo da exposição Somatório dos meios - 3C Centro de Criação Contemporânea.

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