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A desenhista e pintora Juliana Hoffmann, nascida em Concórdia em 1965, moradora de Florianópolis, questiona o estatuto da imagem na arte contemporânea. Adota a fotografia como ponto de partida de sua produção, estabelece reflexões sobre a cidade, a paisagem, as relações humanas, o desencanto e a solidão. Sobreposição, organização, recorte, fragmentação e repetição são algumas claves desta trajetória que interroga o mundo, a fotografia e a pintura.

Criadora de significados, autodidata, pesquisadora que transita mais no campo prático do que no teórico, tem, no entanto, um currículo que aponta mostras individuais e coletivas importantes, bem como cursos expressivos. Outro atributo, pouco visível, é sua permanente contribuição no circuito. Na esfera pública, articuladora, usa o dom de aproximar pessoas em favor de encontros para discutir arte e realizar exposições. Acompanha com atenção a agenda cultural e, como integrante da Associação Catarinense de Letras e Artes, ajuda a apontar os destaques do ano em artes visuais.

Invenção de 1839, desde o seu surgimento, a fotografia exerceu forte fascínio e influências em artistas como Delacroix, Coubert, Manet, Degas. Até hoje, muitos ateliês revelam que imagens são valiosas no processo de criação. Nos anos 1980, Gerhard Richter fundia fotos e pintura, o mesmo procedimento adotado por Juliana em “Entre­­­­_linhas”, conjunto de 19 obras que, segundo ela, sinaliza uma mudança na rota artística iniciada com o naïf nos anos 1980. 

Ancorada em secular tradição, a da pintura e a da fotografia, a gênese da atual produção está no registro aleatório de paisagens urbanas, feito em viagens e passeios não planejados com esse fim. As imagens agregam-se a outras, de jornais e revistas, que são arquivadas e selecionadas de acordo com critérios e interesses pictóricos. O mais importante é a pintura, diz ela que usa tinta acrílica para descontruir ou rearranjar figurações. Em alguns momentos abstrai; em outros, com sobreposições, tenta ordenar o impossível.

Ao final, concluída a pintura, ela cobre a tela por uma camada de vidro acrílico transparente envolto e traçado por linhas vermelhas. Com finos fios, embala o trabalho, desenha num conceito expandido.  Com delicadeza, estende os “traços”, invade as paredes expositivas. Cria estruturas que se abrem para fora da tela. Nesse deslocamento, outras forças poéticas são entrelaçadas.

No instável, nos resquícios das imagens de cidades caóticas e poluídas ou nas linhas arquitetônica de portas e janelas que não se abrem ou não levam a nenhum lugar, os signos ampliam os sentidos. Os caminhos são incertos, conduzem ao vazio. Ainda atravessada pelo luto, o sofrimento escorre dessas superfícies aparentemente banais, monótonas. Mais do que o desejo de agregar cor em pinturas quase sempre sombrias, os resultados formais remetem ao gesto da costura, uma prática adotada enquanto acompanhava a mãe em estado terminal.  

“Estou saindo da tela, vivendo uma fase de transformação”, crê a artista. De fato, seus objetos agora instigam pelo mistério. A aparente beleza envolve o observador, reivindica atenção. Nada é explícito, não há conflito nem tensões nesses trabalhos que problematizam a noção do real. Diante de um tríptico, intitulado “Com Raízes no Infinito”, o espectador indaga sobre as diferenças entre um trabalho e outro. Tão sutil que “pega” até os mais desatentos. São iguais? Repetição? Trapaça?

Espaço-tempo repleto de sutilezas, “Entre­­­­_linhas” expõe camadas sensoriais tecidas a partir da própria história, daquilo que se é obrigado a enfrentar. A arte de Juliana Hoffmann nasce do substrato, daquilo que transforma em substância o irreparável.

Néri Pedroso

 

Jornalista, integrante da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA). Texto originalmente publicado em  21.7.2015, no jornal Notícias do Dia, caderno Plural.

Dissolução do real 
 
Arte de Juliana Hoffmann interroga o mundo, a fotografia e a pintura
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