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A pesquisa de novos e indeterminados campos para a arte e o pensamento, ampliando, por exemplo, as zonas de contato e comércio entre imagem e escritura, frequentemente gerando obras de intensa voltagem e estimulante imprecisão, é uma das marcas reveladoras do contemporâneo, e também uma das principais chaves de leitura da obra de Heleno Bernardi, caracterizada sempre pela sofisticada economia de elementos e pela inteligência. Se este jogo de espelhamentos entre poesia/filosofia, imagem e matéria é explorado por Heleno em algumas de suas obras mais importantes, como Apology of Socrates (2005), a série Memento Mori (2006) e Enquanto falo as horas passam (2009) em ações fotográficas, performáticas e de intervenção urbana, que se inscrevem mais comumente no campo das artes visuais, em Truques de autor o artista ativa sua afiada capacidade de dissolver gêneros e elaborar novos sentidos tendo como ponto de partida a palavra e seu suporte canônico, o livro.

Em seu nível narrativo, Truques de autor, tendo como pano de fundo o cenário do Rio de Janeiro no início deste novo milênio, é uma misteriosa história de amor (e sexo), com certo ritmo cinematográfico, entre personagens que vivem imersos na trama de uma vida urbana contemporânea marcada por referências culturais, e que por ela são constituídos, como se essa trama fosse uma espécie de segunda natureza. O site specific literário e imaginário (e, portanto, paradoxal e crítico) de Heleno Bernardi é um caldeirão de ideias com influências tão diversas como a land art, a música eletrônica e experimental, as linguagens da publicidade e da fotografia, o flaneurismo de João do Rio e o delírio lírico do profeta Gentileza.

Em um outro nível, no entanto, Truques de autor é um livro-proposta de instalações e intervenções urbanas; um livro-projeto que se constitui, ele mesmo, como um trabalho acabado. Truques de autor apresenta-se, portanto, como um romance site specific, uma obra construída no espaço literário entre as propostas de projeto de instalações e intervenções urbanas, estas sim pensadas por Heleno Bernardi ao longo de uma década para espaços reais da cidade do Rio de Janeiro, sendo que algumas delas foram de fato realizadas com alguma variação. Se para Heleno as intervenções materiais devem ser dissolvidas no entorno da cidade, enfraquecendo as fronteiras entre arquitetura/mobiliário urbano e arte, em Truques de autor os projetos dissolvem-se na narrativa, como situações incidentais do romance.

Desta forma, o título da obra é especialmente significativo porque funciona como uma piscadela do autor, com uma pista para suas intenções: para Heleno Bernardi arte é truque, estratagema, estratégia; não no sentido de artifício, mas, pelo contrário, no sentido daquilo que revela e desmascara o artifício, aquilo que abala as ideias pré-estabelecidas, que transgride e transforma. No trabalho de Heleno há sempre um deslocamento de sentidos. Das ruas, Truques de autor passa agora para o espaço literário, e em breve estará no espaço dito virtual da internet, em forma de plataforma interativa, sempre angariando novos sentidos, desdobrando leituras e revelando linguagens.

Renato Rezende, 2011

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(Publicado na orelha do livro Truques de Autor, Editora Circuito, 2011)

TRUQUES DE AUTOR
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